Logística de cana de açúcar: como maximizar a eficiência e reduzir os custos do campo a usina [parte I]

Indispensável na alimentação humana, o açúcar está presente no seu café, no refrigerante e em muitos outros alimentos. Assim como o álcool está presente nas bebidas como cerveja, vinho e cachaça, ou a eletricidade iluminando cidades ou mesmo o combustível que abastece nossos carros, conhecido como etanol.

O que muita gente não sabe é que todos esses produtos são provenientes da cana-de-açúcar e que toda cana de açúcar moída no mundo vira álcool ou açúcar e algumas usinas usam o seu bagaço para gerar energia elétrica e, em menor escala, biogás.

A planta surgiu na ilha de Nova Guiné, no meio do oceano pacífico e chegou ao Brasil em 1520, junto com as primeiras caravelas e logo se tornou um dos mais importantes cultivos, espalhando-se pelo país.

Hoje, o Brasil já ocupa o primeiro lugar no ranking de produção de açúcar e é o maior exportador de etanol do planeta. A busca por combustíveis renováveis que substituam o petróleo faz da cana-de-açúcar um produto de importância global na procura por uma opção mais sustentável.

Mas, para que todas essas transformações aconteçam, existe uma cadeia de processos, desde o preparo da terra até a entrega da cana de açúcar na esteira que a leva para ser moída.

Este artigo se dedicará a trazer as boas práticas, tecnologias, modelos logísticos e tendências para maximizar a eficiência e reduzir os custos dos processos de colheita e transporte da cana.

Será uma ótima leitura. Leia até o fim e surpreenda-se!

A LOGÍSTICA MODERNA DE CANA DE AÇUCAR

Há tempos, a logística deixou de ser um serviço secundário e passou a ser um mecanismo primário de encantamento do cliente. Entregar o produto ou serviço no tempo, qualidade e custo ideal, garantindo a satisfação do cliente, além de diferencial competitivo é questão de sobrevivência.

E quando falamos de logística agrícola todas essas mudanças se mostram ainda mais vivas e presente. Afinal, agro é tech agro é pop agro é tudo! Esse é um bordão que te parece familiar?

Provavelmente já deve ter visto a linda campanha encabeçada pela rede Globo: “Agro: a Indústria-Riqueza do Brasil:

A produção de cana gera um dos maiores faturamentos do campo: mais de R$ 52 bilhões. Além disso, nas lavouras e usinas, mais de um milhão de pessoas estão empregadas por causa da produção de cana.

Não há como não olhar para este setor com otimismo, ele sustenta o Brasil e garante a evolução do PIB (Produto Interno Bruto).

Na logística, especificamente da cana que é nosso foco aqui, viramos nossos olhos e atenção para o CTT. Acrônimo que remete a Corte, Transbordamento e transporte. Uma operação crítica para o agronegócio, pois representa cerca de 28% do custo da tonelada da cana de açúcar e 10% de cada saca.

Obs.:o acrônimo pode sofrer variações dependendo de que empresa você está. É conhecido também como CCT – Corte, Carregamento e Transporte, contudo está se tornando “obsoleto”, visto que o processo é de transbordamento e não carregamento.

O processo é mais que vital para a sobrevivência de uma usina canavieira, pois, se não for realizado com rapidez, qualidade e eficiência pode acabar com todo o negócio:

  • Rapidez: a cana é um insumo perecível que depois de cortada tem “até 8 horas” para ser industrializada (moída) ou começará a perder suas propriedades;
  • Qualidade: espera-se que depois de plantando um canavial perdure por até sete cortes antes de ser reformado. Realizar a logística de corte deve ser uma ciência visando a longevidade deste ativo;
  • Eficiência (custos): com equipamentos de corte de mais de um milhão de reais (colhedora), tratores de mais de meio milhão e caminhões com custos mensais nem um pouco baixo, ser eficiente não é uma escolha, é uma necessidade.

Enquanto usinas realizam um custo CTT de R$50,00 por tonelada de cana colhida e transportada, outras estão no patamar de R$22,00.

O que essas empresas estão fazendo de diferente?

Continue lendo e descubra…

O MODELO LOGÍSTICO IDEAL

 

Por conta da já referida propriedade da cana e das peculiaridades do corte, transbordamento, transporte e moagem da cana, o modelo logístico comum é o: Milk Run, atendendo o cliente (usina) em just in time.

Milk Run: esse sistema era adotado pelos produtores de leite nos EUA e atualmente vem sendo muito usado na indústria automobilística e de cana de açúcar. Significa, literalmente, corrida do leite.

O método consiste em um transportador coletar em duas ou mais fazendas sem cruzar caminho na rota: retira o leite ou a cana, e em seguida entrega-o na industria.

Just in time: Just In Time é um sistema de administração da produção que determina que tudo deve ser produzido, transportado ou comprado na hora exata. Pode ser aplicado em qualquer organização, para reduzir estoques e os custos decorrentes.

Esse modelo garante agilidade no processamento da cana e influencia diretamente na qualidade e custo da entrega final. Uma vez que consegue atender a indústria sem estoques maiores que uma hora.

O conceito mira diretamente em:

  • Reduzir os custos logísticos;
  • Controlar os materiais que estão sendo transportados;
  • Reduzir os níveis de estoque;
  • Uniformizar o volume de recebimento de materiais;
  • Agilizar o carregamento e o descarregamento.

Além de ofertar uma condição operacional mais enxuta. Entretanto, exige também maior expertise da gestão e execução operacional.

Ciclos logísticos e dimensionamentos do CTT no modelo Milk Run

Planejar bem, executar com excelência, medir a operação e corrigir a rota, entre outras ações, é primordial para um negócio de sucesso. Na logística o dimensionamento assertivo, os tempos bem concretizados e o modelo de gestão adotado corretamente é o segredo do sucesso.

O planejamento decide quais fazendas irão abastecer a usina (“o cliente”) e também a quantidade de equipamentos que serão necessários para cortar, transbordar e transportar a cana. A indústria, que tem capacidade de processamento de cana específico, acaba por determinar o planejamento.

Mas quem garante que tudo aconteça conforme planejado é a operação que executa. Disso falaremos mais adiante, por enquanto guarde esse conceito de usina cliente.

O dimensionamento dos ativos para suportar a operação é estratégico. Mas antes de entrar no dimensionamento de ativos para atender ao volume, vamos conhecer um pouco o conceito de ciclo logístico…

CICLO LOGÍSTICO

Três ciclos logísticos se legitimam naturalmente:

  1. Ciclo 1: os caminhões saem da base até a colheita, coletam a cana e retornam para a indústria. Cada ciclo é composto também de 4 ciclos de tempo:
  • T1 – Tempo até a fazenda;
  • T2 – Tempo de carregamento na colheita;
  • T3 – Tempo de retorno da colheita para a usina;
  • T4 – Tempo dentro da usina para descarregar ou desengatar.
  1. Ciclo 2: acontece na fazenda onde se realiza o corte e transbordamento. Essa logística é importantíssima, pois neste ciclo deve-se gerenciar velocidades/tempos de colhedoras cortando e os tempos e velocidades dos tratores transbordo nos deslocamentos do ponto de corte até a área de transbordamento onde o caminhão aguarda.
  • Assim como no primeiro ciclo, aqui também acontece outros quatro ciclos de tempos internos, o que chamamos de micrologística da frente de colheita.
  1. Ciclo 3: o caminhão chega carregado na usina e passa por processos de pesagem e descarga/desengate para voltar a realizar um novo ciclo/viagem;
  • E como nos outros dois ciclos, outros quatro ciclos de tempos internos acontecem neste processo.

Você deve ter percebido que o referido processo de CTT é logística nua e crua não é mesmo?!

Vamos entender o racional por trás do dimensionamento:

Colhedoras e tratores transbordo:

A partir do planejamento, cada fazenda recebe a quantidade de colhedoras e tratores transbordos específicos para realizar a colheita.

A quantidade de equipamentos dependerá da:

  • Condição do canavial: o TCH (tonelada de cana por hectare);
  • Da topografia da fazenda que será determinante para a velocidade que o equipamento pode rodar;
  • E da expertise da equipe operacional em maximizar tempo produtivo.

Primeiro veremos transporte e depois falaremos de colhedoras e tratores transbordo. Tudo bem?

Transporte:

No meio do processo de indústria e colheita estão os caminhões. Que geralmente são Rodotrens constituídos de uma combinação de dois semirreboques ligados por um dolly de dois eixos.

Esta combinação atinge um peso bruto total (PBTC) de 74 toneladas, o que aumenta em 64% a capacidade de carga.

A capacidade transportada de cana por cada conjunto é de 65 tonelada (geralmente).

As julietas (semirreboques) variam de fabricante para fabricante podendo ter pesos e densidades estruturais diferentes.

Neste momento o sistema Milk Run entra em cena: o caminhão sai da indústria para coletar a cana em uma fazenda específica e retorna com sua ocupação máxima permitida.

Neste modelo os caminhões precisam ser dedicados visto que a operação acontece 24/7 (24hs por dia e 7 dias por semana) e pela característica da composição do veículo não se encontram em “prateleiras”.

Semirreboques:

O Semirreboque, assim como as colhedoras, tratores transbordo e caminhões, são vitais para a logística e o atendimento da usina.

Isso porque, quando falei do estoque de segurança de uma hora, ele existe sobre rodas, ou seja, nos semirreboques.

Portanto, a quantidade deve ser sempre maior do que a quantidade dos cavalos mecânicos que constituem o conjunto Rodotrem: cavalo + semirreboques. Essa conta deve ser feita baseada na moagem de tonelada de cana por hora.

Exemplo:

Uma usina com capacidade de moagem TCD (Tonelada de Cana por Dia) de 30.000 (trinta mil) irá exigir a seguinte configuração:

  • 30.000/24hs = 1.250 tons/hr;
  • 1.250/65 (65 é a densidade do conjunto de semirreboque) = 19.

Assim, serão necessários pelo menos 19 conjuntos a mais na operação somente para atender o estoque de segurança na indústria. Isso se a política for de estoque de segurança de uma hora.

DIMENSIONAMENTO DE SEMIRREBOQUES E CAMINHÕES

Para encontrar o número ideal de semirreboques e caminhões deve-se definir também qual será o raio médio de distância das coletas/fazendas.

O que não pode variar muito diariamente. Deve ser sempre equilibrado via planejamento de colheita semanal.

O mercado já entendeu que o raio médio ideal fica em entre 30 e 40 quilômetros em torno da usina. Mais que isso, torna-se caro demais coletar. Assim para nossa conta vamos considerar o raio de 35km.

Estes serão os critérios para o cálculo (podendo variar de realidade para realidade):

  • Raio médio: 35 km;
  • Velocidade do caminhão vazio: 50 km;
  • Velocidade do caminhão carregado: 28 km;
  • Densidade: 65 tons/conjunto;
  • Tonelada de cana por dia: 30.000;
  • Outras “perdas”: manutenção, refeição, troca de turno, abastecimento.

Nesta configuração, precisaremos de 70 caminhões para entregar o alvo diário :

  • Cada caminhão faria: 6,4 viagens;
  • Com um ciclo médio de 2,8 horas.

Qual a quantidade de semirreboques?

  • 70 (para a quantidade de caminhões) + 19 (estoque sobre rodas) = 89 conjuntos semirreboques.

Correto?

Ainda não.

Em um modelo logístico para a cana de açúcar, consideramos estoque sobre rodas também na colheita, esse suportará variações no ciclo 1 (caminhões) que podem sofrer atrasos no trajeto e, se não chegam no momento exato, sua produção pode parar com o gargalo dos tratores transbordo que não terão onde transbordar a carga.

Assim, devemos considerar mais dois conjuntos semirreboques por frente/fazenda de colheita para suportar flutuações operacionais.

Essa manobra garantirá o aumento de horas produtivas das colhedoras e tratores transbordos, bem como, maior produtividade dos caminhões que farão tempo menor na colheita ao realizar o bate e volta (desengata o vazio e engata no carregado).

Para continuar com a conta, vamos considerar:

  • 6 frentes/fazenda de colheita:
    • 2 x 6: 12.

Assim a quantidade de semirreboques será de:

  • 70 para atender os cavalos mecânicos;
  • 19 para estoque de segurança na usina;
  • 12 para estoque de segurança no campo;
  • Total de: 101 conjuntos.

Coloque uma gordura de 10% que podem ficar em manutenção e então chegaremos ao número de:

  • 110 conjuntos semirreboque.

Ufa!!! Que malabarismo não é mesmo!

Mas espere um pouco. Você me deixaria feliz se estivesse se questionando:

Se fazer o bate volta na colheita melhora os tempos dos caminhões, porque não se realiza também na indústria?

Que bom que perguntou.

Isso mesmo. Na usina o processo deve ser o mesmo: o caminhão ao chegar desengata o carregado e engata um vazio e, volta para a colheita.

Lembra do conceito dos ciclos não é? Isso se dá no ciclo 3.

Neste momento entra em cena o caminhão “escravo”.

Assim nasce uma separação de dois modelos de caminhão:

  1. Caminhão linha (realizam pátio colheita x colheita pátio);
  2. Caminhão escravo (realizam pátio usina x usina pátio).

Quantos devem ser?

Vamos a matemática…

Os pátios devem ser divididos para que este modelo funcione bem:

  1. Um pátio externo para carregados e conjuntos vazios;
  2. Um pátio interno para cavalos com conjuntos carregados a espera de tombar no hilo/mesa de cana.

Racional:

Digamos que o tempo do caminhão escravo, do momento que ele engata o cheio no pátio externo, pesa na balança, tomba no hilo, volta e pesa vazio na balança e desengata no pátio externo, seja de 25 minutos.

  • 60/25 = 2.4. Ou seja, cada caminhão fará 2.4 ciclos por hora;
  • 2.4 * 65 (densidade do conjunto) = 156;
  • 1.250 (Tons hora para manter a usina funcionando)/156 = 8 cavalos escravos;
  • Considere 10% de margem para almoço ou manutenção, então faz-se necessários: 9 cavalos.

Muda a quantidade de conjunto?

Sim, um pouquinho.

Para sermos rápidos na conta, considere mais 10% na quantidade de conjuntos que antes eram de 110. Assim, teremos conjuntos para atender a ciclo de transporte:

  • 70 caminhões linha;
  • 09 caminhões escravos;
  • 121 semirreboques.

Colhedoras e Tratores transbordos

Para não estender tanto, vamos a cálculos mais sucintos, considerando benchmark de mercado.

Lembre-se que nossa usina tem capacidade de moagem diária de 30.000 (trinta mil toneladas de cana). Que dividido por 24hs dá um total de 1.250 tons/hora.

Colhedora: As usinas de ponta fazem uma média por colhedora de:

  • 700 tons/dia;
  • 12 horas de corte (corte + manobra);
  • 700/12 = 58 tons por hora;
  • 1.250/58 = 21.

Ou seja, para entregar o alvo de 1.250 toneladas por hora esta usina precisará de 21 colhedoras.

Tratores transbordos: o cálculo neste caso é bem simples, o mercado considera 2 pra 1. Ou seja, 2 tratores com conjunto duplo de transbordo de 21 ou 24 tons (existem de maior capacidade) para cada colhedora operando.

Vale dizer que assim como os Rodotrens, aqui também se trata de conjuntos combinado: um trator e dois semirreboques (como na imagem que divulguei acima).

Dito tudo isso, você já deve ter notado a importância da logística no Corte, Transbordamento e transporte de cana, não é mesmo?!

Espero que ainda além disso, você esteja bem curioso sobre os custos de CTT que expus lá em cima, quando falei que existem usinas realizando R$ 22,00 por tonelada, enquanto outras R$ 50,00.

Qual a mágica?

Não tem mágica.

O que tem é um modelo de gestão de sucesso adotado que está alicerçado em três pilares:

  1. Tecnologia;
  2. Processos;
  3. Pessoas.

“Agilidade e assertividade na produção de cana de açúcar são diferenciais que impactam diretamente a lucratividade da usina.

Quer saber como adotar e operacionalizar esse modelo e reduzir os custos rapidamente?

Leia o artigo II onde falo sobre como operacionalizar o modelo, maximizar eficiência e reduzir os custos ☟☟☟

 

https://achilesrodrigues.com.br/logistica-de-cana-de-acucar-como-maximizar-eficiencia-e-reduzir-os-custos-do-campo-usina-parte-ii/

Até a próxima!

Achiles Rodrigues